domingo, 9 de maio de 2010

Sociopata Blues


Confesso que um bar a beira de um lago nunca me pareceu boa idéia, mas o que eu tinha a ver com isso? A idéia de um bom mergulho para curar a cachaça nunca tinha passado por minha cabeça, fazer o quê? Se nem todo mundo pensa como eu... A vida era bem simples: depois dos esporros naquele maldito escrOtório, esfriar a cabeça com uma gelada e no fim da renda, cair de cara na pinga. Um esquema simples, seguido pela toda massa escrava angustiada. Somos todos vitimas de um tipo raro de anencefalia, onde só os casos mais graves sobrevivem, e se tornam modelos de sucesso. Sangue nas ruas, bundas na TV e algo etílico desce queimando por minha garganta. Um ciclo vital passado de pai para filho, silenciosamente.
Chegar bêbado e acordar ainda chapado para o trabalho era algo tão intenso que não percebi a perda de figuras como esposa e filhos. Lembro que alguém se chamava Julia, mas pouco importa. A única coisa a ser mantida era o maldito emprego, dependia daquela bosta pra tudo. Pior que o patrão curtia os meus serviços, mas a vontade de cuspir na cara de qualquer um que tentasse se aproximar de mim era inevitável. Sustente os ricos e transforme a miséria em rotina. Queria que alguém me falasse isso enquanto eu segurasse um 38 bem carregado... Os Miolos estourados eram uma boa maneira de contestar certas verdades.
O trabalho queria-me como máquina, frio e calculista gerando lucros. A família necessitava de uma fonte financeira fixa e Deus precisava de um brinquedo para castigar. Sabe o que eu preciso? Garçom! Mais uma dose... Era mais uma sexta cheia de esquecimento, putas beijadas com amor, sorrisos e alguns momentos de ódio ao ouvir um singelo “Bom Dia!” (talvez a expressão mais cara de pau já inventada pela humanidade). O dia bom será aquele em que eu não seja obrigado a cruzar com outro ente de minha maldita espécie pelas ruas. Estando em tamanha depravação, só resta à humanidade esperar pelo processo de dedetização conhecido vulgarmente por apocalipse...
Ao longe, avistei minha carruagem: aos insetos mortos restava serem enterrados como indigentes, e quase toda madrugada, o caminhão do IML ia fazer esse serviço. Já havia bebido com os caras, não ia muito com a cara deles, mas alguém que faz um serviço desses, com certeza, merece alguma consideração de minha pessoa. Pararam o caminhão do outro lado do lago e vieram sem as fardas, acho que este oficio não deve atrair muitas gatas, todos com um certo fracasso estampado nas faces. Assim que entraram, eu saí. Andei até o caminhão, abri o ferrolho e existiam três caixões. Profanei o do meio: mais um raquítico com cara de nóia e, com no mínimo, uns cinco tiros na cara. Carreguei o maldito corpo até a beira do lago e o atirei dentro. Quando estava voltando, para minha surpresa, um dos funcionários estava de pé, olhando-me ao lado do caminhão:
- Eu vi o que você fez!
- Sim... E aí?
- Eu te entendo...


Entrei no baú e meu único amigo no mundo fez o favor de trancar a porta. Acendi meu isqueiro e entrei no caixão. Senti um papel sobre minha cabeça e existia uma simples mensagem “Bem Vindo Ao Esquecimento!”. Meu brother devia ter um senso de humor um pouco retardado, mas fazer o quê?
Agora só restava aguardar, senti o caminhão em movimento e que alguém colocou pregos em minha morada. Senti que estava sendo carregado e logo depois desciam o caixão com cuidado... Lembrei que Julia era minha filha e fiquei devendo 20 contos no bar. Nunca mais veria ninguém, senti a terra cobrindo a pouca clareza que me restava. Minha existência cessava com perfeição, o momento de êxtase e vingança sobre a vida. E, em nas últimas respirações, a escuridão abriu suas portas para mim. Eu conseguia enxergar os demônios e vermes vindo dilacerar minha carne. Finalmente eu tinha fé, finalmente eu tive um Bom Dia!

Ass.: Mattüs

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